Um dos maiores acidentes com o isótopo Césio-137 teve início no
dia 13 de setembro de 1987, em Goiânia, Goiás. O desastre fez centenas de
vítimas, todas contaminadas através de radiações emitidas por uma única cápsula
que continha césio-137.
O
instinto curioso de dois catadores de lixo e a falta de informação foram
fatores que deram espaço ao ocorrido. Ao vasculharem as antigas instalações do
Instituto Goiano de Radioterapia (também conhecido como Santa Casa de
Misericórdia), no centro de Goiânia, tais homens se depararam com um aparelho
de radioterapia abandonado. Então tiveram a infeliz ideia de remover a máquina
com a ajuda de um carrinho de mão e levaram o equipamento até a casa de um
deles.
O
maior interesse dos catadores era o lucro que seria obtido com a venda das
partes de metal e chumbo do aparelho para ferros-velhos da cidade. Leigos no
assunto, não tinham a menor noção do que era aquela máquina e o que continha
realmente em seu interior. Após retirarem as peças de seus interesses, o que
levou cerca de cinco dias, venderam o que restou ao proprietário de um
ferro-velho.
O
dono do estabelecimento era Devair Alves Ferreira que, ao desmontar a máquina,
expôs ao ambiente 19,26 g de cloreto de césio-137 (CsCl), um pó branco parecido
com o sal de cozinha que, no escuro, brilha com uma coloração azul.
Ele
se encantou com o brilho azul emitido pela substância e resolveu exibir o
achado a seus familiares, amigos e parte da vizinhança. Todos acreditavam estar
diante de algo sobrenatural e alguns até levaram amostras para casa. A exibição
do pó fluorescente decorreu 4 dias, e a área de risco aumentou, pois parte do
equipamento de radioterapia também fora para outro ferro-velho, espalhando
ainda mais o material radioativo.
Algumas
horas após o contato com a substância, vítimas apareceram com os primeiros
sintomas da contaminação (vômitos, náuseas, diarreia e tonturas). Um grande
número de pessoas procurou hospitais e farmácias clamando dos mesmos sintomas.
Como ninguém fazia ideia do que estava ocorrendo, tais enfermos foram medicados
como portadores de uma doença contagiosa. Dias se passaram até que foi
descoberta a possibilidade de se tratar de sintomas de uma Síndrome Aguda de
Radiação.
Somente
no dia 29 de setembro de 1987, após a esposa do dono do ferro-velho ter levado
parte da máquina de radioterapia até a sede da Vigilância Sanitária, é que foi
possível identificar os sintomas como sendo de contaminação radioativa.
Os
médicos que receberam o equipamento solicitaram a presença de um físico nuclear
para avaliar o acidente. Foi então que o físico Valter Mendes, de Goiânia,
constatou que havia índices de radiação na Rua 57, do Setor Aeroporto, bem como
nas suas imediações. Diante de tais evidências e do perigo que elas
representavam, ele acionou imediatamente a Comissão Nacional Nuclear (CNEN).
Anel de césio
A história de uma vítima
“A única vez que vi o césio foi em 26 de setembro. Meu irmão me mostrou a pedra e perguntou se ela poderia ser usada para fazer um anel. Peguei um pedaço menor que um grão de arroz e esfreguei na palma da mão. Como era dia, não havia nenhum brilho. Ela mais parecia um pedaço de cimento. Oito dias depois, minhas mãos começaram a coçar e incharam. Sentia tonteiras e náuseas. Um dia, a polícia chegou a nossa rua e começou a isolar as pessoas no estádio Olímpico. Só aí descobri que aquela pedra era radioativa. Sabia o que era isso – o acidente de Chernobyl tinha acontecido um ano antes. A população entrou em pânico. Todos achavam que estava acontecendo o mesmo em Goiânia. Fui a última vítima a ser isolada. Vi meus irmãos entrarem no avião e serem enviados ao Rio de Janeiro para fazerem um tratamento intensivo. Quando saímos do hospital, as pessoas nos tratavam como se tivéssemos uma doença contagiosa. As vítimas do césio eram apedrejadas. Tive que mudar meus filhos de escola duas vezes. Hoje, mesmo que quisesse esquecer o que aconteceu, não me deixariam. Sempre tem alguém que me lembra de 20 anos atrás.”
Odesson Alves Ferreira, 52 anos, presidente da Associação das Vítimas do Césio 137
O
ocorrido foi informado ao chefe do Departamento de Instalações Nucleares, José
Júlio Rosenthal, que se dirigiu no mesmo dia para Goiânia. No dia seguinte a
equipe foi reforçada pela presença do médico Alexandre Rodrigues de Oliveira,
da Nuclebrás (atualmente, Indústrias Nucleares do Brasil) e do médico Carlos
Brandão da CNEN. Foi quando a Secretaria de Saúde do estado começou a realizar
a triagem dos suspeitos de contaminação em um estádio de futebol da capital.
A
primeira medida tomada foi separar todas as roupas das pessoas expostas ao
material radioativo e lavá-las com água e sabão para a descontaminação externa.
Após esse procedimento, as pessoas tomaram um quelante denominado de “azul da
Prússia”. Tal substância elimina os efeitos da radiação, fazendo com que as
partículas de césio saiam do organismo através da urina e das fezes.
As
remediações não foram suficientes para evitar que alguns pacientes viessem a
óbito. Entre as vítimas fatais estava a menina Leide das Neves, seu pai Ivo,
Devair e sua esposa Maria Gabriela, e dois funcionários do ferro-velho.
Posteriormente, mais pessoas morreram vítimas da contaminação com o
material radioativo, entre eles funcionários que realizaram a limpeza do local.
O trabalho de descontaminação dos locais atingidos não foi
fácil. A retirada de todo o material contaminado com o césio-137 rendeu cerca
de 6000 toneladas de lixo (roupas, utensílios, materiais de construção etc.).
Tal lixo radioativo encontra-se confinado em 1.200 caixas, 2.900 tambores e 14
contêineres (revestidos com concreto e aço) em um depósito construído na cidade
de Abadia de Goiás, onde deve ficar por aproximadamente 180 anos.
No
ano de 1996, a Justiça julgou e condenou por homicídio culposo (quando não há
intenção de matar) três sócios e funcionários do antigo Instituto Goiano de
Radioterapia (Santa Casa de Misericórdia) a três anos e dois meses de prisão,
pena que foi substituída por prestação de serviços.
Atualmente,
as vítimas reclamam da omissão do governo para a assistência da qual
necessitam, tanto médica como de medicamentos. Fundaram a Associação de Vítimas
contaminadas do Césio-137 e lutam contra o preconceito ainda existente.
O
acidente com Césio-137 foi o maior acidente radioativo do Brasil e o maior do
mundo ocorrido fora das usinas nucleares.
Fonte:
http://www.brasilescola.com
http://guiadoestudante.abril.com.br