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22 de ago. de 2012

Poderes à prova


Em sua coluna de agosto, o físico Adilson de Oliveira – ele próprio um aficionado por super-heróis –, fala sobre os poderes desses personagens e sobre as (im)possibilidades de serem reproduzidos na vida real.

Poderes à prova

O Homem de Ferro tem poderes ‘fabricados’ com tecnologias avançadas. Na sua versão atual, a fonte de energia de seus apetrechos ‘high tech’ é um ‘reator ark’ – estampado em seu peito –, que parece funcionar com fusão nuclear a frio. (foto: reprodução)
Entre maio e agosto, muitos filmes são lançados nos cinemas norte-americanos, e consequentemente, no Brasil. Em 2012 não tem sido diferente. E tal como nos últimos anos, entre os principais sucessos estão os filmes de super-heróis. Vingadores, Homem de Ferro, Homem-Aranha, Batman, Superman, Capitão América e outros ganham destaque nas telas de cinema, talvez pelo apelo que esses personagens têm em diversas faixas etárias. Muitos, como eu, os conhecem desde a infância. Outros podem estar em seu primeiro contato.
A grande maioria desses personagens foi originalmente criada em um tipo particular de literatura: as histórias em quadrinhos. Nas tiras de jornais ou em revistas exclusivas surgiram heróis e vilões com poderes sobre-humanos, como capacidades de voar, levantar objetos pesando muitas toneladas, vencer grandes distâncias rapidamente, entre outros.
Os criadores dos super-heróis explicam a origem dos superpoderes de diversas formas. Alguns decorrem da ação de radiações ou drogas que provocam alterações no organismo. Em outras situações, os poderes surgem de uma ‘herança genética’ ou processo evolutivo diferenciados, como a de um ser nascido em outro planeta. Eles podem ser ainda ‘fabricados’ com a ajuda de tecnologias avançadas.
O mais famoso dos super-heróis é o Superman, que surgiu em 1938, em uma história em quadrinhos. Por ter nascido em um planeta diferente (Kripton), com uma gravidade muito maior do que a da Terra e na órbita de uma estrela gigante vermelha, ao ser enviado ao nosso planeta, com ação da gravidade menor e na órbita de uma estrela amarela (o Sol), apresenta características especiais.
Infelizmente, do ponto de vista da física, as habilidades do Superman são impossíveis
Os superpoderes do Superman são realmente fantásticos. Ele pode voar em altíssimas velocidades (algumas vezes até mais rápido do que a luz) e tem superforça, supervisão, superaudição, visão de calor e de raios X. Será que tais poderes seriam possíveis na vida real?
Infelizmente, do ponto de vista da física, as habilidades do Superman são impossíveis. Por exemplo, seu voo acontece sem que nada o impulsione. Todos os movimentos decorrem da ação de uma única força. Para um avião a jato voar, por exemplo, ele usa turbinas que sugam o ar e, em seguida, o expele com grande força, para que ocorra uma reação, igual e contrária – como prediz a terceira Lei de Newton (conhecida também como princípio da ação-reação) – que o impulsiona para frente.
Da mesma forma, quando caminhamos, a força de atrito que existe entre os nossos pés e o chão reage à força que aplicamos nesse último e nos faz andar. No caso do Superman, não observamos nada parecido. Ele simplesmente voa.
Entre os outros poderes, a visão de raios X talvez seja o mais difícil de justificar. Quando observamos qualquer objeto, só o vemos porque ele está refletindo ou emitindo luz. Mesmo que os olhos do Superman emitissem raios X, estes não refletiriam na matéria da mesma maneira que a luz visível. 
Visão de raios X
O físico explica por que os poderes do Superman são inverossímeis. Entre eles, a visão de raios X talvez seja o mais difícil de justificar, pois mesmo que os olhos do Superman emitissem esse tipo de raio, eles não refletiriam na matéria da mesma maneira que a luz visível. (foto: reprodução)
Ao incidir raios X sobre um objeto, como quando fazemos uma radiografia ou tomografia do nosso corpo, o processo é diferente. Uma parte da radiação atravessa o corpo e a outra é absorvida. Dependendo da forma que essa radiação é absorvida pelos diferentes tecidos, ocorrem os contrastes que sensibilizam o filme fotográfico (ou detector) colocado atrás do corpo, criando a imagem. 


Superpoderes tecnológicos

Um dos meus super-heróis favoritos é o Homem de Ferro. Embora o personagem Tony Stark não seja um primor de bom caráter, a armadura que lhe dá superpoderes – que não é de ferro, e sim de metal – é realmente impressionante. Com ela, ele pode realizar façanhas incríveis, como voar a partir de propulsores nos pés e nas mãos, bem como emitir raios de alta energia capazes de destruir praticamente qualquer coisa.
Quando o personagem foi criado, na década de 1960, a mais avançada tecnologia da época eram os transistores. Transistores são dispositivos feitos de materiais semicondutores que podem ter a sua resistência elétrica ajustada para se comportar de diversas formas, de metais a isolantes. Essa propriedade permitiu a descoberta do efeito transistor, que faz com que esse dispositivo possa controlar o fluxo e amplificação da corrente elétrica em um circuito eletrônico.
A armadura do Homem de Ferro levava transistores especiais que transformavam a carga elétrica das baterias nas incríveis capacidades de voar, disparar raios, entre outras. Para essas proezas, não consigo imaginar o tamanho que deveria ter a bateria a ser carregada.
Nas recentes aparições do Homem de Ferro no cinema, as tecnologias usadas são mais compatíveis com os seus poderes
Por outro lado, nas recentes aparições do Homem de Ferro no cinema, as tecnologias usadas são mais compatíveis com os seus poderes. Na atual versão, a fonte de energia é um 'reator ark' – estampado em seu peito –, que parece funcionar com fusão nuclear a frio, pois, para realizar todos os seus feitos, necessitaria de uma enorme quantidade de energia, como as produzidas no processo de fusão. Mas a fusão nuclear ocorre no interior das estrelas ou nas armas nucleares.
A fusão nuclear a frio foi noticiada em 1989 pelos pesquisadores Martin Fleischmann e Stanley Pons, na Universidade de Utah, nos Estados Unidos. Ao estudar a implantação do deutério (isótopo de hidrogênio que possui um próton e um nêutron no núcleo atômico) em paládio, por meio uma reação eletroquímica utilizando 'água pesada' – na qual o deutério substitui o hidrogênio –, eles observaram um aumento na temperatura da solução e detectaram uma emissão anormal de nêutrons (que ocorre em processos de fusão nuclear).
Contudo, os resultados não foram reproduzidos e se concluiu na época que houve um erro de medida na emissão de nêutrons observada durante a reação. Curiosamente, o reator ark do Homem de Ferro utiliza o mesmo elemento.


Outros superpoderes

O Homem-Aranha é outro super-herói que acho muito interessante. Os seus poderes surgiram a partir da picada de uma aranha geneticamente modificada. O veneno da aranha alterou o seu código genético e lhe conferiu poderes especiais, como a capacidade de escalar paredes, força proporcional a uma aranha de tamanho humano e uma capacidade de pressentir quando está em perigo. Será que algo normalmente fatal poderia transformar dessa forma o corpo de uma pessoa?
Qualquer substância que ingerimos, seja por via oral ou intravenosa, pode afetar a bioquímica do corpo, ou seja, modificar os processos de funcionamento do organismo. Nenhuma substância conhecida poderia, em dose e escala de tempo tão pequenas, alterar a estrutura do código genético de todas as células do corpo e nos transformar em outra espécie, que é o caso do Homem-Aranha.
Homem-Aranha
Os poderes do Homem-Aranha surgiram a partir da picada de uma aranha geneticamente modificada, cujo veneno alterou seu código genético e lhe conferiu poderes especiais, como a capacidade de escalar paredes. Uma transformação desse tipo também seria altamente improvável no corpo humano. (foto: reprodução)
A ação de uma substância estranha normalmente prejudica o organismo. Reorganizar toda a estrutura molecular do DNA, que contém todas as informações genéticas de um indivíduo, de forma a criar uma espécie aprimorada, é muito difícil de acontecer. Seria também pouco provável uma habilidade de percepção extrassensorial seletiva, como é o caso do ‘sentido de aranha’ que lhe permite perceber perigos iminentes.
Embora os poderes dos super-heróis estejam fora de nossa realidade, suas aventuras, vitórias e derrotas são ótimas formas de diversão e podem nos levar, como todo tipo de conhecimento, a uma reflexão profunda. Talvez esse seja o verdadeiro superpoder desses super-heróis: a capacidade de estimular a nossa imaginação.


Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos